quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Educação e Desenvolvimento Sustentável


¹Júlio Nessin

“O homem é um animal irracional, exatamente como os outros. A única diferença é que os outros são animais irracionais simples, o homem é um animal irracional complexo”. Fernando Pessoa² - Reflexões Sobre o Homem.

Para entendermos a identidade destruidora do homem, ou aquilo que denominamos irracionalidade, será preciso reconceituarmos o termo “animal irracional”, considerando que se tal conceito aplica-se ao homem tem conotação distinta àquela que se concebe ao tratarmos dos outros animais.

Relativamente ao homem, o adjetivo é, sem dúvida, pejorativo, uma vez que remete à agressividade humana para com natureza, do homem para com o outro homem e do homem para consigo mesmo. É óbvio que tais ações são tipicamente humanas, justificando perfeitamente o conceito “animal irracional”, e que é totalmente diferente da ferocidade dum predador numa cadeia ecossistêmica, no fenômeno natural da sobrevivência das espécies, pois, a cena da batalha dum predador numa caça, para se alimentar, jamais poderá ser descrita como um assassinato, e sim, como ação e reação biofísica de forças que se atraem e se repelem no processo vital desse organismo que compõe a biosfera.

Por outro lado, a ação predadora da irracionalidade humana é cruel e assassina, pois é “racionalmente” concebida e chega a ser imbecil, por ser auto-destruidora. Esse “homem-irracional” caça inescrupulosamente por ganância, orgulho e poder, de forma premeditada, portanto, nominalmente “racionalizada”, enquanto que o animal irracional propriamente dito luta pela sua sobrevivência, tendo como resultante a sobreexistência das espécies que povoam cada ecossistema, mantendo o equilíbrio e a sustentabilidade do sistema como um todo.

A sustentabilidade é tema prioritário neste século, pois a corrida pelo desenvolvimento está levando o homem a se tornar a espécie ameaçadora da existência de todas as outras, inclusive da sua própria.

A luta deve ser pela busca de tentar alinhar desenvolvimento com sustentabilidade, sendo necessária, para isto, a tomada de consciência da real posição no processo desencadeado pelo ser humano, a caminho dessa autodestruição. A conscientização, por sua vez, tem que ser urgentemente instigada pelos pesquisadores das diversas áreas do conhecimento e difundida pelas instituições de ensino, do fundamental ao superior, utilizando-se de todos os meios de comunicação de massa e articulando-se com todas as organizações dos diversos segmentos da sociedade, ou seja: é preciso fazer um “levante” considerando uma nova ordem em beneficio da preservação da vida, pois a educação e desenvolvimento sustentável equivalem ao norteamento pragmático dessa “pseudo-ordem” política, econômica e social, que viaja aceleradamente a caminho do caos.


¹Júlio Nessin: Licenciado em Educação Artística com Habilitação em Desenho, Especialista em Gestão Ambiental e Poeta
²Fernando Pessoa, in 'Reflexões Sobre o Homem - Textos de 1926-1928'

EDUCAÇÃO E CIDADANIA


*Mena Azevedo


Vivemos hoje num cenário de mudanças velozes. A globalização nos coloca num mundo sem fronteiras e, como tal, não podemos estar desconectados de tudo o que acontece ao nosso redor. Isso não foge aos problemas vividos a cada dia na escola. Mais do que nunca, há uma preocupação na relação entre a escola e a realidade sociocultural dos nossos alunos, até para poder entendê-los, entender toda essa problemática chamada indisciplina. Esse é um fenômeno com o qual um grande número de professores tem dificuldade em lidar.
A Educação para o século XXI, segundo perspectivas da UNESCO traz a paz como fio condutor do mundo para a educação do futuro. Nessas perspectivas aparecem claras as novas posturas que educadores e educadoras devem adotar, como sejam: “cultivar a tolerância, o convívio com a diferença, a transigência como pressuposto e a negociação como instrumento do trabalho” em sala de aula para se chegar a um entendimento sobre os aspectos educacionais a serem observados, dentre eles educação e cidadania.
Mas o que é cidadania? De modo geral, a idéia de cidadania, hoje muito desgastada, é apresentada apenas como a de ter direitos, uma característica que não parece suficiente.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem promulgada em 1948 já previa a violação dos direitos humanos, quando se constatava que muitas famílias não tinham direito à moradia, à saúde e à educação, dentre outros direitos negados, como o de reivindicar, de denunciar injustiças.
Não se deve limitar a idéia de cidadania a ter direitos. Vai mais além. A cidadania não deve ser entendida como uma simples inserção social, no atendimento aos direitos, mas deve-se incorporar à idéia de se cumprir deveres. Nenhum cidadão é apenas cidadão de direitos, mas cidadãos de direitos e deveres.
Como falar em cidadania para crianças de escolas de periferia, em que a maioria delas é oriunda de lares despedaçados? Como falar em cidadania quando se vêem alunos mal alimentados, cuja única refeição que recebem por dia é a merenda escolar? Como falar em cidadania para esses alunos que já se acostumaram a presenciar a cena do despejo, porque seus pais não pagaram o aluguel das casas onde moram? Como falar em cidadania para filhos de pais que viram algum membro da família morrer nos corredores de hospitais públicos? Como falar em cidadania nas instituições escolares para alunos que estudam em escolas deterioradas pelo tempo, sem mobiliário adequado e outras condições pedagógicas? Como falar em cidadania na escola, se até os professores não são respeitados como profissionais, porque lhes negam um salário digno e condições de trabalho favoráveis ao desenvolvimento das atividades pedagógicas?
Poder-se-ia falar aqui de um grande número de situações que envolvem o desrespeito à vida, quando se desrespeita os direitos fundamentais do homem.
E foi refletindo sobre essa problemática, que chegamos a uma escola para fazer uma visita aos alunos e professores. Estavam desenvolvendo o Projeto “Resgate da Cidadania”. No momento em que os parabenizamos pelo trabalho, um aluno levantou-se com a seguinte pergunta:
- Professora, estamos desenvolvendo nesta semana o projeto “Resgate da Cidadania”.
Fizemos uma pesquisa de campo e pudemos fazer nossa leitura sobre a
realidade social desses lugares e encontramos os excluídos, os oprimidos, os sem-nada, os indefesos e injustiçados pelos governos. Essas pessoas estão exercendo a sua cidadania?
- Não. Respondemos de uma forma bem segura. Estar em gozo da cidadania é ter vida digna, vida de gente. É poder gozar de todos os direitos humanos que são direitos de todos. É ter moradia, ter educação e saúde de qualidade, ter lazer, ter liberdade para decidir o que é melhor para sua vida, além de outros elementos que definem o ser e o estar no mundo.
Meu caro leitor, os alunos dessa escola continuaram com outras perguntas que surpreenderam a todos nós, por envolver aspectos relevantes da condição humana. Falaram em solidariedade, em direitos civis, sociais e políticos. Abordaram os problemas que eles vivenciam na própria escola onde estudam, nas famílias onde nasceram, no bairro onde vivem, na cidade onde moram.
Com essas colocações, percebi que estava ali um terreno propício para ajudá-los a levar avante seu Projeto “Resgate da Cidadania”, já que entendemos que a cidadania passa pelo cuidado com as pessoas e com a educação como prioridade maior. E, refletindo melhor essa problemática, em tudo isso não basta elaborar leis, nem fornecer os meios materiais... Há necessidade de introduzir em cada ação, uma dose bem grande de amor, condição “sine qua non” para alcançarmos nossos objetivos.
E foi assim, com olhos bem vivos, ouvidos atentos e mente aberta que nos despedimos dos alunos e professores dessa escola.

*Mena Azevedo - Graduada em Letras, Pós-graduada em: Docência Superior; Administração de Sistemas Municipais de Ensino; Literatura Brasileira e Portuguesa; Membro efetivo da Academia de Letras e Artes de Brumado - ALAB, pela qual tem livro publicado: “Pelos Vieses da Educação” e poeta.

O Homem é um Animal Irracional


*Fernando Pessoa


1. O homem é um animal irracional, exactamente como os outros. A única diferença é que os outros são animais irracionais simples, o homem é um animal irracional complexo. É esta a conclusão que nos leva a psicologia científica, no seu estado actual de desenvolvimento. O subconsciente, inconsciente, é que dirige e impera, no homem como no animal. A consciência, a razão, o raciocínio são meros espelhos. O homem tem apenas um espelho mais polido que os animais que lhe são inferiores.

2. Sendo assim, toda a vida social procede de irracionalismos vários, sendo absolutamente impossível (excepto no cérebro dos loucos e dos idiotas) a ideia de uma sociedade racionalmente organizada, ou justiceiramente organizada, ou, até, bem organizada.

3. A única coisa superior que o homem pode conseguir é um disfarce do instinto, ou seja o domínio do instinto por meio de instinto reputado superior. Esse instinto é o instinto estético. Toda a verdadeira política e toda a verdadeira vida social superior é uma simples questão de senso estético, ou de bom gosto.
4. A humanidade, ou qualquer nação, divide-se em três classes sociais verdadeiras: os criadores de arte; os apreciadores de arte; e a plebe. As épocas maiores da humanidade são aquelas em que sobressaem os criadores de arte, mas não se sabe como se realizam essas épocas, porque ninguém sabe como se produzem homens de génio.

5. Toda a vida e história da humanidade é uma coisa, no fundo, inteiramente fútil, não se percebe para que há, e só se percebe que tem que haver.

6. A plebe só pode compreender a civilização material. Julgar que ter automóvel é ser feliz é o sinal distintivo do plebeu.

O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.

*Fernando Pessoa, in 'Reflexões Sobre o Homem - Textos de 1926-1928'
Escritor português
13/06/1888, Lisboa (Portugal)
30/11/1935, Lisboa (Portugal)