"Eu me mobilizo pelo avivamento da utopia para a economia do século XXI"
A senadora Marina Silva (PT-AC) desembarca nesta sexta-feira em Rio Branco, onde nasceu, tendo de cor uma lista de amigos e companheiros que serão ouvidos para tomar a decisão que considera a mais difícil da vida dela: abandonar 30 anos de militância petista, se filiar ao PV, participar da “refundação programática do partido” e se tornar candidata a presidente da República.
Após entrevistá-la na noite desta quinta-feira, o Blog da Amazônia consultou Fábio Vaz de Lima, marido da senadora e um dos secretários mais influentes na gestão do governador do Acre Binho Marques (PT), para saber dele se Marina Silva está mesmo disposta ao desafio ou apenas vai surfar na onda de um convite que já mobiliza os verdes do mundo inteiro.
- Sou contra a saída dela do PT e já expus todas as minhas razões. Mas a maneira como tem se conduzido até aqui me dá a certeza de que a Marina já tomou uma decisão. É possível até que ofereçam para ela a presidência do PV. Sendo assim, vou acompanhá-la, pois sou capaz disso em quaisquer circunstâncias - afirmou Fábio Vaz de Lima.
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Antes da entrevista, Marina Silva fez questão de ponderar que tem procurado “ser o máximo econômica possível” por conta do momento de uma decisão vital em sua trajetória, mas não economizou palavras para defender a necessidade de compromissos com a utopia na política:
- Eu me mobilizo pelo avivamento da utopia para a economia do século XXI. É esse trânsito que precisa ser feito e que não existe em lugar nenhum, precisa ser criado para algo diferente.
- Não estou fazendo cálculos. Se eu ficasse fazendo cálculo de tempo em programa eleitoral, jamais teria sido candidata. Você sabe que já fui candidata com um tempo de um minuto, que tinha que ser dividido com o Chico Mendes. Trinta segundos para ele e trinta segundos para mim. Tínhamos que nos apresentar ao vivo. Isso não tem nada pragmático. Prefiro continuar acreditando que o sonho remove montanhas. Foi isso que fizemos em 30 anos. Removemos algumas montanhas, mas não removemos outras porque não nos expusemos com a radicalidade necessária.
- Não vou me iludir achando que alguém que lida com temas considerados secundários ou de minorias, possa colocar em risco uma candidatura que tem todo o peso e respaldo que tem a candidatura da ministra Dilma. Eu estaria sendo pretensiosa se eu embarcasse nessa avaliação.
- Todas as pessoas que estão sabendo disso e que me conhecem, sabem que não se trata de um processo fácil. Mas a história se faz por homens e mulheres que se dispõem a transformá-la. Essa transformação não prescinde a contribuição do sujeito. Neste momento estou vivendo uma dupla situação: a do sujeito que precisa se colocar e, ao mesmo tempo, do agente que sabe que as mudanças não acontecem única e exclusivamente pela ação dos indivíduos.
A seguir, a entrevista de 23 minutos, por telefone, após uma palestra de Marina Silva num evento da CUT em São Paulo:
O que a senhora considera essencial, quais salvaguardas julga necessárias para que possa aceitar ser candidata a presidente da República pelo PV?
Não estou colocando as coisas em termos de candidata. O que me motiva a fazer essa discussão são os desafios e questionamentos que venho fazendo ao longo de alguns anos de que o Brasil está maduro para assumir os desafios da sustentabilidade em todas as suas dimensões como algo estratégico para o país. Como ele pode dar esse passo, fazer esse trânsito, é isso que tem me mobilizado. Tanto é que toda a minha gestão no governo Lula foi levantando essa questão, isto é, da política ambiental como centro das políticas.
Mas o PV a convidou para ser candidata a presidente da República.
Logicamente, a questão que o PV me colocou, o convite que me faz, me deixa honrada, mas o que está me mobilizando são projetos, idéias, sem estar ancorada em cálculos de pesquisas de opinião. Não estou sendo movida por uma questão meramente eleitoral. Ouvi o PV no contexto daquilo que os seus dirigentes e militantes estão falando, que consiste em organizar, em outubro, um processo de refundação programática do partido, onde sairia da lógica do processo de fundação, que veio da Europa, de partido verde tradicional, para a idéia de um partido que colocaria no centro de suas questões estratégicas o desenvolvimento sustentável. A minha reflexão é no sentido de que essa questão não é algo que vai ser resolvida por um partido que possa homogeneizar a sociedade para fazer essa mudança. Não é isso. É algo que demanda um debate na sociedade e que todos os partidos têm que assumir essa questão como estratégica. Eu me mobilizo para o avivamento da utopia para a economia do século XXI. É esse trânsito que precisa ser feito e que não existe em lugar nenhum, precisa ser criado para algo diferente.
Mas tudo isso não passa pela política eleitoral também?
Isso é política, claro. O que eu quero dizer é que a questão eleitoral de ser candidata a senadora ou eventualmente candidata a presidente da República é parte dessa estratégia. Correto? Não é que seja um fim em si mesma a eleição. Se existe alguém que não começou tendo a eleição como um fim em si mesma somos nós numa trajetória de 30 anos no PT. Tivemos que perder muitas vezes para que se pudesse ganhar. Se tivéssemos feito o cálculo pragmático, eu nunca teria saído candidata nem para vereadora de Rio Branco. Então a questão não é meramente eleitoral, mas do movimento que se pode colocar em curso. Essa é a reflexão que estou fazendo. Não estou subordinando isso a qualquer pesquisa de opinião ou qualquer outra coisa, com uma candidatura. Obviamente, a questão da candidatura está posta porque nessa agenda tem a disputa eleitoral e ela é importante e estratégica e precisa assumir isso no centro do debate de todos os partidos. As pessoas sempre acham que qualquer movimento que se faz é para ser contra alguma coisa. Meio ambiente reelabora a política porque é o movimento que se pode fazer a favor. Ser a favor da proteção das florestas é bom para todo mundo, assim como ser a favor da redução das emissões de carbono, de uma agricultura que seja sustentável, o que é bom para a própria agricultura e para a balança comercial. Essa interpretação de que a política só se faz pela negação está sendo reposicionada pelo meio ambiente. É possível fazer política pela a afirmação, para criação daquilo que ainda não existe em país nenhum. O Brasil, por ter as melhores capacidades, pode fazer essa inflexão. É isso que mobiliza.
A senhora sonha em repetir o fenômeno Barack Obama?
Não, não. Eu não pretendo isso. Não sou eu quem tenho essa avaliação. Acho que o tema está posto na sociedade e a sociedade demanda compromisso com ele. Eu me movimento para que o tema ambiental tenha o lugar que precisa ter dentro do Brasil e em todos os lugares do mundo. O presidente Obama está fazendo um movimento e ele vai liderar essa agenda se persistir mesmo. Obama é como aquele super-atleta que ficou fora do jogo durante muitos anos, mas faz a diferença quando entra no time decidido a jogar pra valer.
O PV lhe deu um prazo para obter a sua resposta?
Não, não me deram um prazo. Os prazos, digamos, são os prazos legais. Estou vivendo um momento de muito tensionamento por causa disso. Tenho uma trajetória de 30 anos de PT. Tenho minha vida ligada a esse sonho, a esse projeto, me sinto parte de todas as conquistas e de todos os problemas. O que está em questão agora é como fazer algo que possa estabelecer que as utopias do século XXI de fato possam acontecer, que a gente saia da agenda dos séculos IXX e XX e assuma o desafio civilizatório do século XXI. É isso o que é necessário.
Como reagiu o governador do Acre, Binho Marques, petista, seu maior amigo e aliado político? Ele ficou perplexo com a sua decisão?
Falei aos meus companheiros que tinha recebido convite do PV dentro dessa revisão programática, obviamente incluindo o convite para me filiar e decidir prioritariamente pela candidatura a presidente. Vou pro Acre para conversar com as pessoas, amigos e companheiros, e uma das primeiras pessoas com quem vou conversar será com o Binho. Ele me ouviu e falou que me espera para que a gente possa conversar. Falei também com o ex-governador Jorge Viana e com o senador Tião Viana. No Acre, você sabe muito bem, não existe hierarquia. Não tenho problemas com o PT do Acre.
Mas a senhora pode deixar numa posição desconfortável seus companheiros. Eles a apoiariam ou à Dilma para presidente?
Não quero antecipar essa questão. Estou num momento de reflexão e qualquer juízo de valor que eu faça de algo dessa natureza pode transparecer que já tenho uma decisão. A decisão que tenho é de que a questão ambiental precisa ser colocada como algo estratégico na agenda nacional.
Mas isso não é possível fazer a partir do PT?
Eu acho que isso precisa ser feito dentro de todos os partidos. Não dá para fazer essa mudança achando que um partido sozinho vá homogeneizar. No meu entendimento, é um movimento para que todos se comprometam com essa agenda, pois ela não está colocada com a dimensão necessária por nenhum partido.
A senhora conversou com Ricardo Berzoini, presidente nacional do PT?
Sim. Ele telefonou e pediu-me para que pudéssemos conversar. Vamos conversar quando eu voltar do Acre, após ouvir pessoas com quem tenho uma trajetória de vida. Tenho uma filha de 28 anos e o PT tem 30 anos na minha vida.
E se o presidente Lula reforçar o apelo pela sua permanência no PT?
Tenho o maior respeito e relação de companheirismo com Lula. Servi durante cinco anos, cinco meses e catorze dias ao governo dele. Não colocaria nenhum tipo de condicionante a isso, pois estou fazendo uma reflexão. Todas as pessoas que estão sabendo disso e que me conhecem, sabem que não se trata de um processo fácil. Mas a história se faz por homens e mulheres que se dispõem a transformá-la. Essa transformação não prescinde a contribuição do sujeito. Neste momento estou vivendo uma dupla situação: a do sujeito que precisa se colocar e, ao mesmo tempo, do agente que sabe que as mudanças não acontecem única e exclusivamente pela ação dos indivíduos. O presidente Lula me chamou e eu me senti honrada de fazer parte do ministério dele. Contribui enquanto achei que tinha o necessário apoio para isso. Respeitosamente, saí do governo quando compreendi que não reunia mais essas condições. O combate que faço hoje no Senado pela agenda do desenvolvimento sustentado não é diferente do que fiz enquanto ministra do Meio Ambiente durante o tempo que permaneci no cargo. E não será diferente do que vou fazer, seja como candidata à reeleição como senadora ou como cidadã.
Na política, a senhora nunca foi de exigir, de dizer “eu quero”. A sua agenda sempre foi a agenda do consenso de seus amigos e companheiros. Neste momento, porém, está tendo que tomar uma decisão pessoal. É a decisão…
Sem sombra de dúvida, é mesmo a decisão mais difícil de minha vida.
Pelo fato de ter sido sempre, digamos, objeto do consenso?
Não necessariamente. Quando um grupo resolveu que deveria permanecer no PMDB, nas Comunidades Eclesiais de Base, no Acre, e outro decidiu ficar no pólo que lutaria pela fundação do PT, isso não se deu por consenso. Quando resolvi sair do Ministério do Meio Ambiente, também não foi por consenso.
Tudo bem, mas isso se deu poucas vezes numa trajetória política com mais de 30 anos.
Por que agora essa decisão é tão difícil?
Pelo tamanho do desafio e pela magnitude da decisão. Nós temos que buscar fazer essa inflexão nos modelos de desenvolvimento, nas economias dos diferentes países, fazendo com que governos e partidos, acadêmicos, formadores de opinião, se comprometam com essa agenda e coloque-a no centro do debate. Mas não como algo em oposição ao desenvolvimento, mas como parte integrante da mesma equação. Esse é o desafio. Ou isso acontece ou nós vamos chegar em meados do século com a constatação de que a gente pode ter inviabilizado as possibilidades de vida na terra. Esse movimento tem que acontecer sem que a gente perca avanços que tivemos no governo do presidente Lula, que passou de R$ 8 bilhões para R$ 28 bilhões de investimentos em política social. Conquistas como essas devem permanecer, mas existe uma agenda estratégica com a qual temos que nos comprometer.
O que acha dos comentários de que a sua candidatura poderia inviabilizar a candidatura a presidente da ministra Dilma Roussef?
Não vou me iludir com isso, pois é claramente um superestimação de minha possível candidatura. Não vou me iludir achando que alguém que lida com temas considerados secundários ou de minorias possa colocar em risco uma candidatura que tem todo o peso e respaldo que tem a candidatura da ministra Dilma. Eu estaria sendo pretensiosa se embarcasse nessa avaliação.
Mas é fato que o seu carisma é bem maior que o dela, não? Diferente da senhora, ela murcha quando discursa.
Eu não quero especular sobre isso. Ela é um quadro técnico fantástico reconhecido por todos
nós.
Na sua decisão tem peso o fato de o PV não dispor de muito tempo na TV para uma eventual exposição de sua candidatura a presidente da República?
Não estou fazendo cálculos. Se eu ficasse fazendo cálculo de tempo em programa eleitoral, jamais teria sido candidata. Você sabe que já fui candidata com um tempo de um minuto, que tinha que ser dividido com o Chico Mendes. Trinta segundos para ele e trinta segundos para mim. Tínhamos que nos apresentar ao vivo na TV. Isso não tem nada pragmático. Prefiro continuar acreditando que o sonho remove montanhas. Foi isso que fizemos em 30 anos. Removemos algumas montanhas, mas não removemos outras porque não nos expusemos com a radicalidade necessária. Esses movimentos precisam ser feitos. Eles são de tamanha magnitude que não temos que ter a ilusão de que vai ser homogeneizado por um partido. Tem que ser um movimento da sociedade, dos empresários, dos políticos, dos acadêmicos, dos jornalistas, homens e mulheres, principalmente da juventude, que não se deixa aprisionar pelos projetos imediatistas, que não fica fazendo cálculos do presente, mas que coloca a contabilidade do futuro para ser resolvida agora.
Então a discussão…
A discussão é no sentido de que se crie para a economia do Brasil uma nova narrativa. Um país que tem 46% de matriz energética limpa não pode ser circundado num debate aonde outros que têm menos capacidade assumem a pró-atividade. Um país que é capaz de fazer um plano de combate ao desmatamento e reduzir 57% de emissão precisa se comprometer com metas de certificação da agricultura, precisa trabalhar para que a infra-estrutura tenha critérios de sustentabilidade, sem que isso signifique ter que sofrer os efeitos indesejáveis dessas mudanças.
Quais seriam os efeitos indesejáveis?
Que o país não possa continuar se desenvolvendo, perca empregos e oportunidades. Nós ainda temos o tempo para fazer o trânsito. Nem dá para dizer mais que não podemos perder o bonde da história. Nós não podemos é perder o trem-bala da história.
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